O livro ilustrado é normalmente associado ao público infantil. Ainda que os livros ilustrados sejam encontrados nas livrarias na área do infantil ou juvenil, a verdade é que os mais crescidos podem aprender muito com livros ilustrados – ou livros infantis, se preferir a designação. O livro ilustrado combina texto e imagem, narrativas visuais e verbais. Só esse pormenor (ou pormaior) tem como efeito várias possibilidades de leitura – se uma frase pode ser interpretada de vários modos, imagine uma imagem? Ou uma frase e uma imagem?
Neste artigo pretendo apresentar-lhe motivos para visitar a secção de livros infantis da livraria ou da biblioteca municipal, com base em três coisas que pode aprender com a leitura dos livros ilustrados. Vamos a isso?
“Há muitas formas de dizer o mesmo”
Uma das coisas que os livros ilustrados nos ensinam é a diversidade de pontos de vista que podem existir no momento em que pensamos um certo conceito. Imagine que um autor pretende trabalhar o tema da amizade. O que nos vem à cabeça? Talvez uma história entre duas crianças que se conhecem na escola e que se tornam amigas.
E se a amizade for trabalhada a partir da história de uma criança e uma árvore? Ou de uma criança e um cão? Ou de um adulto que carregava pedras e um rapaz? Ou a partir do cão do rapaz que era amigo do adulto que carregava pedras? Este é o trabalho que o Marco Taylor nos apresenta na sua trilogia: O Homem que Carregava Pedras + O Rapaz que Conheceu o Homem que Carregava Pedras + O Cão do Rapaz que Conheceu o Homem que Carregava Pedras.

Esta trilogia permite-nos ter três leituras de um mesmo episódio ou situação e é uma óptima forma de exercitar aquilo a que chamo de necessidade de ver o mesmo de forma diferente. Exercitar os diferentes olhares sobre o mesmo é bastante útil quando estamos, por exemplo, a construir uma equipa de trabalho. Procuremos pessoas que possam trazer um ponto de vista diferente, pessoas com quem nem sempre concordamos, pois isso enriquecerá o processo e vai permitir os momentos “nunca tinha pensado nisso”.
No que respeita aos livros do Marco Taylor diria que falta a perspectiva das pedras, concorda comigo?
“Há muitas formas de interpretar o mesmo”
Depois de escolhermos a perspectiva a partir da qual vamos falar de A ou B, temos de ter em mente que a forma como a comunicação vai chegar às outras pessoas depende em parte dessas pessoas.
Para nos lembrar que as palavras que dizemos são polissémicas e que o seu sentido depende em muito do contexto em que são utilizadas, recomendo a leitura do livro Uma mesa é uma mesa. Será? O livro é assinado por Madalena Matoso e Isabel Minhós Martins e está publicado na Planeta Tangerina. Neste livro somos convidados a interpretar o objecto mesa de formas muito diferentes.
Como é que o professor olha para a mesa? Ou um cirurgião? E a D. Olga do café, para quem a mesa era problemática?

Este livro (re)lembra-me que é necessário comunicar de forma clara, assumindo a possibilidade de estarmos a usar palavras que ganham outro sentido na experiência de outras pessoas. O que é uma mesa? A resposta parece ser óbvia – mas será mesmo?
Questionar o óbvio é outra lição que este livro me dá sempre que o visito. Para uma democrata a mesa é um exercício do direito de voto, para o professor de português a mesa é um substantivo comum, feminino, singular e concreto. E para a pessoa que colecciona mesas?
Outros livros ilustrados que ajudam a questionar o óbvio: Não é uma caixa, de Antoinette Portis, Para que serve?, de José Maria Vieira Mendes e Madalena Matoso.
“A faixa etária é só uma referência”
Os livros ilustrados e as pessoas que os imaginam ajudaram-me a quebrar o preconceito de que há coisas que, uma vez estando associadas a uma certa faixa etária, não servem para as outras faixas etárias. Ora, a minha prática de leitora de livros ilustrados diz-me que é importante ir além desse rótulo.
Ter uma baliza ou referência do que é pensado para um certo grupo etário facilita a vida de muitas pessoas, nomeadamente das pessoas livreiras e bibliotecárias, que têm de arrumar os livros ilustrados (e os outros!) de alguma forma, com base em algum critério. Cabe-nos a nós desarrumar essas referências e procurar levar os livros de uma certa idade para outra. Há agradáveis surpresas nesse processo, pois podemos encontrar o livro “certo” para uma pessoa ou para um grupo e que está “errado” do ponto de vista da faixa etária.
O que é que esta prática de desarrumação de livros ilustrados me ensinou? Que é importante conhecer as referências para arriscar a sua desarrumação. Esta aprendizagem pode ser útil na criação de uma equipa de trabalho, procurando trazer pessoas de áreas distantes para pensar connosco um produto ou serviço. Quem disse que um cemitério não poderia comunicar e vender produtos e serviços no instagram?
Da mesma forma é útil para tomarmos decisões a nível pessoal: quem disse que aos 45 anos é tarde para aprender uma língua nova e assim ampliar o meu repertório? Quem disse que os adultos não podem comprar livros ilustrados para si? “Ah, já não tens idade para estar no tiktok” – quem disse?
Por falar nisso, Quem disse? de Caroline Arcari e Guilherme Lira, editado no Brasil pela Caqui, é um dos livros ilustrados que provoca a reflexão sobre o que é suposto ou não fazermos.
Está pronto/a para descobrir livros ilustrados? Conhece algum livro ilustrado com o qual tenha aprendido algo para a sua vida pessoal ou profissional? Partilhe nos comentários!