Primeiro que tudo, café. Depois, a pergunta: o que é uma falácia? Certamente já ouviu alguém dizer: “ah mas isso é uma falácia” ou “isso é um pensamento falacioso”. O que é que isso quer dizer?
O que é uma falácia?
Uma falácia é um erro de raciocínio. São muitas as falácias enumeradas, havendo uma divisão fundamental a ter em conta: as falácias formais e as falácias informais.
As falácias formais acontecem quando “algo pretende ser um raciocínio dedutivamente válido quando não o é” e as falácias informais contemplam outros erros, como “a introdução de irrelevâncias, a incapacidade para desambiguar termos, a vagueza, a precisão mal colocada.” (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, p. 157)
A lista de falácias é longa e por isso escolhi apenas três para começar esta jornada pelos erros de raciocínio.
Conhecer os erros comuns de raciocínio é uma forma de os evitar no nosso próprio pensamento e também de os identificar no pensamento dos outros. Exige alguma prática e não basta só saber o nome da falácia e o que significa para o evitar. Vamos ter de errar – e de permitir o erro.
A falácia do custo irrecuperável
A falácia do custo irrecuperável atua, em especial, quando já investimos muito tempo, dinheiro, energia, amor, etc. Mas o dinheiro investido continuará a ser sempre o fundamento mesmo quando, objetivamente, isso já não faz sentido. Quanto mais se investiu, ou seja, quanto maiores forem os custos que já não se podem recuperar, mais forte será a pressão para manter o projeto.
(Rolf Dobelli, A Arte de Pensar com Clareza, p. 30)

A falácia dos custos ou falácia do custo irrecuperável é o raciocínio que sustém a decisão de ficar na sala de cinema, mesmo quando ao final de 15 minutos percebemos que o filme não nos diz nada. “Já gastei dinheiro no bilhete, agora fico até ao fim!” É o pensamento que nos leva a manter um projecto, mesmo que tudo à volta nos diga que não vale a pena: “Mas já investi muito tempo e dinheiro.”.
Da mesma forma é o pensamento que nos congela no momento de abandonar uma relação de vários anos, completamente falhada, só pelo facto da relação já ter vários anos.
Na minha experiência a falácia dos custos é algo que está ligado ao apego às coisas. “Não vou deitar fora pois foi a pessoa X que me deu” ou “não vou dar isto pois custou-me dinheiro”. Há coisas das quais tenho dificuldade em desapegar-me e por isso o exercício de destralhar é complexo para mim.
A falácia do espantalho
A falácia do espantalho é também conhecida como “homem de palha”:
(…) consiste em atacar as ideias de uma pessoa apresentando-as numa versão deficiente ou distorcida. Constitui uma violação do princípio de caridade — a exigência de que, no debate racional, se ataque a versão mais sólida das ideias que queremos contestar. Exemplos desta falácia: “A única razão para defender a pena de morte é o desejo primitivo de vingança”., “Reprovaram-me porque só olharam para o meu comportamento”.
(Júlio Sameiro, Dicionário Escolar de Filosofia)

A falácia do espantalho acaba por ser um caminho fácil na argumentação: atacar o elo mais fraco. Dá menos trabalho e com alguma erudição no estilo de fala ou de escrita, até pode dar a sensação de que estamos a pensar profundamente.
A falácia da conjunção
Daniel Kahneman e Amos Tversky, vencedores de um Prémio Nobel, estudaram este erro de raciocínio ao qual Rolf Dobelli dedica um capítulo do seu livro A Arte de Pensar com Clareza. Vejamos o exemplo de Dobelli, baseado numa experiência de Kahneman:
Num congresso internacional de prospetiva em 1982, os especialistas – todos eles oriundos dos meios universitários – foram divididos em dois grupos. Daniel Kahneman apresentou ao grupo A o seguinte cenário para 1983: “O consumo do petróleo cai 30 por cento.” Ao grupo B apresentou este: “A subida drástica do preço do petróleo leva a uma redução do seu consumo em 30 por cento.” Os. participantes tinham de indicar quais as probabilidades de os dois cenários se confirmarem. O resultado foi inequívoco: o grupo B acreditou mais na previsão que lhes havia sido apresentada do que o grupo A.
(Rolf Dobelli, A Arte de Pensar com Clareza, p. 178)
Kahneman concluiu, com isto, que há dois tipos de pensamento: um é intuitivo, automático e imediato, e o outro é consciente, racional, lento, esforçado e lógico.
Procuramos alguma coerência nas histórias que ouvimos e lemos. No seu livro Dobelli fala-nos de Klaus, 35 anos, estudante de filosofia, envolvido nas causas do Terceiro Mundo desde a sua adolescência, com um currículo que inclui trabalho na Cruz Vermelha na África Ocidental. Klaus trabalhou em Genebra, na sede da Cruz Vermelha, chegou a chefe de departamento e fez um MBA, tendo apresentado uma dissertação sobre “responsabilidade social das empresas”.
Pense comigo: o que é mais provável? A – Klaus trabalha num grande banco. ou B – Klaus trabalha num grande banco como responsável da sua fundação para o Terceiro Mundo.

O que é mais provável? A grande maioria de nós dirá B. A opção B contempla o trabalho num grande banco e algo mais: a ligação de Klaus à causa, a justificação para a sua dissertação. Dobelli avisa: “o número de pessoas que trabalham em bancos e trabalham em instituições bancárias dedicadas ao Terceiro Mundo é uma percentagem mínima das pessoas que trabalham em bancos.” (p. 177).
A resposta A é a mais provável, porém a falácia da conjunção encaminha-nos para responder B como a mais provável.
Como evitar as falácias?
Vamos por passos?
O passo #1: conhecer as falácias, identificá-las nos exemplos que autores como Dobelli nos apresentam.
O passo #2 passa por olhar para o nosso próprio discurso (oral ou escrito) e aplicar o filtro das falácias.
O passo #3 passa por nos reconciliarmos com a ideia de que não é possível evitar as falácias sempre, a todo o momento:
Desde que comecei a coligir erros de raciocínio e a anotar as suas características, costumam perguntar-me: “Senhor Dobelli, como é que consegue viver sem cometer erros de pensamento?” E a resposta é: não consigo. Para ser exato, nem tento. Evitar os erros de pensamento está ligado ao esforço. Estabeleci, para meu uso, a seguinte regra: nas situações cujas consequências possíveis são sérias (…) tento decidir da forma mais sensata e racional que for possível. Nas decisões cujas consequências são menos sérias (…), prescindo da otimização racional e deixo-me guiar pela minha intuição. Pensar com clareza custa. Por isso, se os danos possíveis são pequenos, não mate a sua cabeça e permita-se errar. Viverá melhor assim.
(pp. 227-228)
As Falácias e o Design: Como Evitar Armadilhas no Processo Criativo
As falácias lógicas também têm impacto no design e na forma como tomamos decisões criativas.
E cair nestas armadilhas pode significar projetos desalinhados com as necessidades dos utilizadores, desperdício de recursos ou o perseguir de ideias pouco eficazes.
Quantas vezes não vimos um projeto avançar só porque “já investimos demasiado tempo nele”, mesmo quando os resultados não são o esperado?
Saber quando devemos parar e repensar uma abordagem de design, ou mesmo abandonar um determinado caminho, é essencial para chegarmos a soluções verdadeiramente eficazes.
E quando interpretamos mal o feedback dos nossos clientes ou utilizadores?
Em vez de respondermos ao verdadeiro problema, acabamos a desenvolver soluções que não são as necessárias. E acreditem que isto se encontra muitas e muitas vezes, mesmo nos briefings iniciais.
E por fim… a falácia da conjunção. Esta ensina-nos que adicionar mais elementos a um design nem sempre melhora a sua eficácia.
Muitas vezes, menos é mesmo mais: ao priorizarmos a simplicidade e a clareza na experiência do utilizador, conseguimos gerar resultados muito melhores.
Resumindo.. o design não é apenas fazer bonecos giros. Envolve-se em cada vez mais áreas e fundamenta a sua ação em áreas do conhecimento que podem parecer estranhas a quem está de fora: psicilogia, filosofia, sociologia, antropologia… muitas …gias.
Queres saber mais sobre como aplicamos estes conhecimentos no nosso trabalho? Descubra-o no portfolio da Active ou fale pelos canais do costume.
Para saber mais sobre falácias
Para aprofundar o tema das falácias recomendo dois livros: Pensar de A a Z de Nigel Warburton e A Arte de Pensar com Clareza, de Rolf Dobelli (que serviu de guia ao artigo).
O livro Pensar, Depressa e Devagar, de Kahneman também faz parte das minhas recomendações de leitura, porém é algo denso e bastante volumoso. Porém, já diz o professor Clóvis de Barros Filho: é uma questão de brio. “O cara já teve de pensar naquilo, você só tem de ler!“.
Boas leituras – e “boas” falácias!
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