Primeiro, o que faz uma capa do John Coltrane num artigo chamado “7 hábitos para um bom UX Designer“?
Para começar, porque foi claramente inspirado num podcast para músicos de jazz, o You’ll Ear it, e depois porque entre o Jazz e o Design há muito chão em comum.
Especialmente o improviso, a fusão de instrumentos (ou técnicas), o ir com a corrente, a dialética entre os elementos da banda, e acima de tudo, a capacidade de levar uma audiência a vários estados de espírito.
Também o Design nos pode levar à furia, perante coisas que não funcionam, ao deslumbre com boas experiências, ou até à indiferença, tal a facilidade com que interagimos com algo e nem pensamos que aquilo foi desenhado para ser assim.
Todos os estados são válidos, se bem que o nosso trabalho se deve concentrar mais nos dois últimos: criar momentos UAU, ou não criar momento nenhum e tornar a interação praticamente invisível.
7 hábitos para um bom UX Designer
Comecei por ouvir o podcast a caminho de casa, num daqueles momentos de indecisão entre o que ouvir mas à procura de algo lateral ao dia.
Lá está, um dos bons hábitos. A abertura ao mundo para além da nossa bolha. 🙂
E assim que comecei a ouvir não demorei a identificar muitos dos hábitos que qualquer designer deve ter para desenvolver bons projectos de UX.
Claro que isto é uma inspiração, e o original, devem ir ouvir no original, ok? 🙂
Ouvir, mais que falar, empatia pelo utilizador final, ser social, ser uma pessoa aberta ao mundo, muito para lá da sua bolha, observar, e por último mas não em último, saber apreciar uma boa parvoíce.
Muito mais que uma forma bonita, um bom designer deve ser capaz de entregar uma boa função, bonita também já agora.
E especialmente em projectos de UX Design, estes bons hábitos são fundamentais para uma boa entrega.
1º Hábito do Designer: Ouvir
Estava na dúvida se ouvir é o primeiro e deve vir antes da empatia pelo utilizador. Mas deve ser o primeiro bom hábito do designer: saber ouvir.
Passamos a vida a dizer que temos duas orelhas e uma boca por uma boa razão. E há sempre o velho ditado “boca fechada não entra mosca nem sai asneira”. Então vamos praticar.
Para além de todos os estudos de mercado e focus groups, sou apologista que uma boa conversa, informal, descontraída, é uma fonte de informação muito importante e menos enquinada.
A quantidade de informação que escorre naturalmente, longe de gravadores, de anotações, de vidros espelhados ou de hierarquias, é brutal.
Sentem-se calmamente com um utilizador, sejam focados mas deixem derivar, dêm toda a atenção, oiçam, oiçam muito e perguntem abertamente… e vão ver que o que aprendem numa hora é mais rico que as 50 páginas de relatório.
E quando achamos estranho que ainda ninguem se tenha lembrado de uma solução ou abordagem, foi apenas porque ninguem perguntou e ninguem estava disponivel para ouvir.
O primeiro a ouvir ganha!
2º Hábito do Designer: Empatia pelo utilizador
O sentimento do utilizador final perante o design é a chave do sucesso de qualquer projecto de UX.
Uma solução imposta vai falhar, uma solução que não respeita os seus modos de vida ou de trabalho, vai falhar, uma solução que precisa de ser ensinada, vai falhar.
Já nos pediram para desenvolver vídeos para dar formação aos utilizadores e quase sempre estamos a olhar para erros de design porque claramente não houve qualquer empatia com o utilizador.
Perceber a sua vida, a sua realidade, o seu contexto e o contexto em que o nosso design se vai integrar, são actividades fundamentais para um projecto de sucesso.
Ver com os nossos olhos e sentir empatia pelas suas dores, dá-nos um bom caminho de trabalho para ajudarmos a resolver e a ser uma experiência positiva no seu dia.
No desenvolvimento de uma app de trabalho em parceria com a Fujitsu, desenvolvemos vários workshops com utilizadores.
Foi a primeira vez que tiveram a oportunidade de contribuir com ideias, apresentar problemas e contar estórias.
E quando recentemente me cruzei com um dos utilizadores que ouvimos em estudo, o seu agradecimento sincero não podia ter sido mais agradável, pelo impacto positivo que tivemos na sua vida.
3º Hábito do Designer: Ser Social
Não conheço muitos designers que não sejam seres sociais. E não apenas no sentido de estarem nas redes e etc. Sociais de social com pessoas e tudo.
Se o nosso objecto de trabalho são as pessoas, como é que um designer não se relaciona com pessoas?
E não devemos falar apenas do circulo restrito de familia, amigos e trabalho. Contactar com outras realidades sociais é fundamental. E muitas vezes não é preciso muito.
Basta andar de transportes públicos, em linhas diferentes do habitual, ir passar o dia numa terra diferente, passar o dia num co-work ou numa oficina ou numa empresa diferente do nosso universo.
Costuma-se dizer que great minds think alike… mas ao fim de algum tempo pensamos todos o mesmo e isso é limitador.
Então exponham-se e desafiem-se nessas exposições. Dá-nos também sentido de realidade que muitas vezes falha em alguns projectos de design.
4º Hábito do Designer: Abertura ao mundo
Todos os dias o mundo nos desafia com novas ideias, novos comportamentos, novas tribos. Temos contacto com elas? Já nos expusemos a elas?
Talvez se sintam muito fora de pé e sem ar.
Mas é a forma como nos abrimos ao mundo que deixa o mundo entrar em nós e nos dá a capacidade de desenhar com mais empatia e mais próximo do utilizador final.
E interessar-nos também por outras áreas de trabalho… mais concretas ou artísticas.
As verdadeiras inspirações acontecem muitas vezes quando olhamos para outras pessoas doutras áreas.
Se passarmos a vida a só olhar para outros projectos de design, vamos acabar a fazer o mesmo e será mais um copy-paste.
Este hábito é particularmente importante com o avançar da idade. Confesso que muitas vezes me sinto a minha avó, pasmada com o mundo e com falta de pé. Mas é exactamente essa sensação que nos mantêm acordados para a vida que não pára.
Uma vez estávamos a desenvolver as personas par um novo projecto e de repente todas faziam surf, eram felizes e tinham vidas iguais.
Estavam a ser criadas à imagem e semelhança do criador. E todas muito longe da realidade e do mundo que existe para além da nossa bolha.
Vamos rebentar a bolha de vez em quando?
5º Hábito do Designer: Observar
Levantar os olhos do ecrã e olhar em volta. Sair para uma caminhada de cabeça no ar, sem olhar para o ecrã. Sentar num banco num jardim e olhar apenas.
Temos que contrariar uma força brutal que nos quer a fazer outras coisas. Mas observar apenas é uma boa fonte de inspiração e de conhecimento.
Ver como as pessoas se comportam, como usam as coisas, como interagem umas com as outras, como se deslocam, …
E mais que isso… o que foi escrito nas paredes, a publicidade, a sinalética, os avisos espontâneos, os atritos do dia, …
Sapo sem pernas não salta, e designer que não ouve e não vê não desenha. Apenas aflora soluções.
6º Hábito do Designer: Praticar
Ser um bom designer é uma prática constante, tal como muitas outras profissões.
É o hábito que faz o monstro. Ou era o monje? O que é um monje? Experimentem perguntar a alguém nascido depois de 2000.
Mas diria que não é apenas praticar a profissão, mas praticar os hábitos anteriores. E no final executar de acordo com o aprendemos nas novas experiências, nos feedbacks, nas conversas.
A prática leva a melhor desempenho e leva a que o mais óbvio passe a ser simples de resolver e nos desafia a experimentar com mais frequência.
Também a prática destes novos hábitos de ouvir, de empatizar com o utilizador, de ser mais social e aberto, leva a que isso seja mais simples de fazer e fazem de nós melhores designers.
7º Hábito do Designer: Apreciar parvoíce
Quem me conhece sabe que aprecio bastante a parvoíce. E só me faz confusão que mais pessoas não apreciem uma boa parvoice pois se ela é tantas vezes uma fonte de inspiração para um designer.
Se temos um projecto mais aborrecido em mãos, que tal desenhar parvoíces para desanuviar?
Ou pensar em formas absolutamente idiotas de desenhar algumas partes do projecto em mãos.
Num workshop de design onde participei, alguem resolveu propor uma uma ligação entre o Fitbit e a possibilidade de usar certas app’s. Para além de muito distópico…
“Olá, sou o teu FitBit. Esta semana resolvi bloquear as app’s Uber, Bolt e afins a ver se mexes esse rabo. Boa semana!”
E se for visto ao contrário? Se a frequência da prática levar a recomendações mais adequadas e pela positiva?
E se… é o potencial da parvoíce, e acreditem que ajuda a resolver muitos bloqueios e constrangimentos.
Em resumo
O homem é um animal de hábitos, e todos gostamos de ter os nossos. E muitas vezes a grande dificuldade é criamos ou adoptarmos novos.
Estes 7 hábitos para um bom UX designer podem ser bastante fundamentais e mandatórios para uma boa prática e bons resultados nos vossos projectos de design.
Eu gosto de os praticar, gostei de os sistematizar, e agradeço a inspiração.
Desenhar soluções não é uma tarefa para ser desenvolvida longe do mundo, mas sim dentro dele.
Envolvido até ao pescoço, mas com a capacidade de não perder a visão macro e o distânciamento que nos permitem avaliar se o que estamos a fazer resiste às provas e não apenas ao nosso escrutínio pessoal.
E em equipa já agora, que é onde as coisas acontecem de forma mais interessante.
7 hábitos para um bom UX Designer, vamos praticar?
Se quiserem comentar ou deixar alguma ideia ou desacordo, já sabem onde ando. Deixo o desafio de acrescentarem mais algum aos 7, para voltar a cair em tentações bíblicas.
Estou aqui, ou numa rede perto do clique, logo abaixo da foto há links rápidos.
E já agora, vamos acabar como começámos… com John Coltrane, “Both Directions at Once, The Lost Album”