Quantas vezes ouvimos dizer que temos que pensar fora da caixa? Perante um qualquer enorme e desafiante problema, lá vem ela, certeira e pseudo-resolve-tudo-sou-imbativel. “Pensa fora da caixa!”
Mas esta ideia é tão vazia como as velhas e tradicionais respostas do “porque sim” e do “porque não”. São o que são e não trazem nada de novo.
A ideia de pensar fora da caixa, está claro, associada ao desafio para um pensamento disruptivo, um olhar fresco sobre um problema, a um olhar para além do que é o problema.
E nessa parte estou totalmente de acordo, nem poderia ser de outra forma.
Mas então e a caixa? Sabem, ela é muito amigo do copo meio cheio e meio vazio. E ninguém se importa com o copo da mesma forma que muita gente deixa de se importar com a caixa.
Pensa fora da caixa ou pensar acima da caixa?
Aquilo que a caixa deve representar, nesta metáfora, se a queremos usar bem, são os constrangimentos do nosso problema. E esses podem ser de diversa ordem e natureza.
Alguns serão quase impossíveis de resolver. Legislação, por exemplo. Não posso bater nas pessoas que insistem num determinado comportamento, logo, tenho que encontrar outra solução. 🙂
Logo, constrangimentos. E num exercício de design, acreditem, nada desafia tanto como um constrangimento. É a nossa oportunidade de sermos realmente criativos e… rufem cenas… disruptivos.
Assim, vamos pensar acima da caixa, para termos uma visão global e macro do assunto. Vamos também olhar para outras coisas que nos podem inspirar, mas o nosso assunto está naquela bendita caixa, nunca fora da caixa.
Orçamento: uma parte da caixa
Qual o orçamento disponível para investir na resolução do problema? Nada, pouco, muito, algum?
Um bom criativo é capaz de olhar para a panóplia de soluções que tem à sua mão e “chutar com o pé que está mais à mão”.
Se o orçamento é bastante, então não temos que nos desafiar tanto. Vamos fazer tudo como mandam as regras, da melhor forma que conhecemos e sabemos, envolvendo os melhores no pleno das suas capacidades e tempo.
Se o orçamento é nada, então vamos procurar as peças dum puzzle e perceber como muitas coisas pequenas podem acabar por fazer uma grande.
Cultura: outra parte da caixa
Há boas ideias e boas soluções fora da caixa mas que trazem apenas um pequeníssimo problema. A cultura da organização que vai gerar anticorpos de tal maneira que a solução passa a ser um novo problema.
Pode nascer outra oportunidade. Resolver a cultura através de outras iniciativas. E muitas vezes percebemos que se a cultura mudar, o problema em estudo praticamente desaparece.
A audiência, interna ou externa, está aberta a uma solução deste calibre?
Já nos debatemos em alguns projectos com uma enorme distância “cultural” entre o utilizador externo e o interno (que não é um utilizador mas sim o cliente interno).
E esta diferença de visão, desejo, apetência e vontade, pode ser um constrangimento importante na nossa caixa. De alguma forma teremos também que o resolver.
O negócio/produto/serviço: é quase a caixa toda
São o que são, e tal como a cultura, levam mais tempo a mudar se a percepção da solução for essa. Não se muda uma linha de montagem do dia para a noite, ou um serviço altamente regulado e legislado, ou processos internos.
Podemos sugerir, induzir, encontrar pequenas soluções que vão ajudar, mas toda a realidade do negócio, produto ou serviço são o que são. Excepto se o desafio for mesmo mudar isso.
Mas ainda assim, há constrangimentos que são menos mutáveis e com os quais teremos que viver.
O tempo: a última parede da caixa
Encontram-se muitas vezes desafios onde o factor tempo é um constrangimento enorme. A urgência, uma mudança de mercado, uma decisão repentina, um golpe de rins que é preciso dar.
Tem impacto na ideia, no plano da ideia, na abordagem. Se é para ser rápido, então vamos procurar as melhores ideias que ganhem, chamam-lhes quick wins, e que possam ser melhoradas depois.
Primeiro damos resposta, depois melhoramos.
Ou não, afinal temos tempo. Então temos outro caminho e podemos vir a influenciar outros constrangimentos e talvez diminuir o seu peso no problema.
A criatividade requer trabalho e tempo, já nos disse a Joana neste artigo.
Pensar fora da caixa ou com a caixa?
Pensar com a caixa, porque enquanto designer e criativo, preciso dos constrangimentos, pensar fora da caixa porque quero olhar para a forma como outros resolveram desafios parecidos, ou deram uso a algo de forma diferente e isso pode inspirar a minha solução.
A caixa é vossa amiga, a caixa é o vosso conforto, a caixa é a vossa âncora perante a vastidão do universo de ideias.
Divergir criativamente é essencial, mas mais cedo ou mais tarde temos que convergir na caixa.
E com isto vos deixo uma recomendação de cinema português, A Caixa, de Manoel de Oliveira.
Divirtam-se com a caixa 🙂 Qualquer coisa já sabem, redes ou email, estou sempre disponível para um bom debate de ideias.
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