UXLx 2018: no final do dia, o importante são os Valores

When we change the way we communicate, we change society. — Clay Shirky

Os profissionais de User Experience (UX) estão a moldar a sociedade como consequência do seu trabalho, e nesta edição da UX Lx ficou claro que estão a assumir a responsabilidade que vem com esse poder.

O Bruno Amaral marcou presença na UXLx e a Active Media lançou-lhe um desafio: que tal escrever um artigo sobre os assuntos que foram por lá abordados? 

Os temas do momento

Antes de falar do papel da UX em moldar a sociedade é importante começar pelo ambiente em que surge este argumento.

Estamos numa época em que a tecnologia permite às empresas uma liberdade de ação que só é limitada pela moral e ética de quem as gere. Foi como consequência disso que vimos

  • O aparecimento das Fake News, a chamada era da Pós-Verdade e o abuso de poder para influenciar eleições;
  • A necessidade do regulamento geral de proteção de dados, o RGPD ( ou General Data Protection Regulation — GDPR);
  • A necessidade de discutir novos modelos de financiamento para os serviços online, como os jornais, o Facebook e outras redes sociais; 1
  • E pode estar iminente a censura prévia obrigatória, imposta pela União Europeia aos gestores de canais e plataformas de comunicação online; 2

Por um lado, a União Europeia está a caminhar para a defesa da privacidade dos cidadãos, por outro, no continente Americano a maioria dos países prossegue sem sinais de ajustar o rumo. Na China, as leis de proteção de dados são muito mais permissivas e têm vindo a gerar preocupações por parte dos cidadãos. 3

Nestes temas, encontramos debaixo do holofote os gestores das empresas, os profissionais de Marketing e os legisladores. Temos vindo a deixar de fora as pessoas cujo trabalho tem impacto directo na tecnologia. Os programadores, designers e consultores de UX participam na criação da tecnologia desde o momento zero e por vezes influenciam o rumo da empresa e o seu modelo de negócio.

Existe também a tendência para pensar nestes temas como sendo assuntos isolados, que não são. Todos eles são aspectos diferentes do impacto da tecnologia na nossa forma de viver em sociedade. E a tecnologia que temos ao nosso dispor hoje muda a nossa forma de comunicar e de nos relacionarmos. Com o pragmatismo da tecnologia vem também a preocupação sobre o quanto as nossas opiniões são influenciadas por estes sistemas que têm tanto de complexo como de opaco.

A grande responsabilidade de quem faz User Experience

Nesta edição da UX Lx não estava previsto falar-se do impacto da tecnologia na sociedade, ou do nosso papel nos temas de privacidade e influência no comportamento. Em vez disso, a ligação surgiu como o fio condutor das apresentações que se foram dividindo entre a Metodologia para a Prática de UX e os Valores e Ética dos profissionais da área.

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Foi com a apresentação da Kim Goodwin4 que o tema ficou assente. The Values are the Experience começou a defesa do Design Centrado nos (Valores) Humanos e atingiu o ponto alto na comparação entre a UX e a investigação médica.

“Internet products and services are the largest human-subjects experiments ever conducted.” 5

— Kim Goodwin

Esta experiencia está a ser feita sem o nosso consentimento ou sem qualquer indicação sobre como essa informação será usada. À semelhança do que foi feito com o Código de Nuremberga, a Kim sugere que os profissionais de UX sigam as mesmas regras aplicadas na investigação científica em humanos. Fechou a apresentação com cinco coisas que deveríamos fazer para defender os valores humanos acima dos corporativos:

  • Pensar de que forma podemos tomar a responsabilidade por toda a Experiência de Utilizador;
  • Alavancar os Valores que já existam na cultura corporativa para um fim positivo;
  • Questionar as assunções e os requisitos que nos são colocados;
  • Procurar um acordo de valores e medir aqueles que realmente importam;
  • Trabalhar todos os dias para melhorar os valores das empresas e os tornar mais próximos deste ideal.

A perspectiva da Kim tornou-se mais forte quando colocada lado a lado com Shaping Behavior de Chris Risdon6, uma descrição de príncipios e técnicas que podem ser usadas para condicionar o comportamento e influenciar as decisões.

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Essa influência no comportamento pode ser uma parte da proposta de valor das empresas, de várias formas.

  • Auto Seleção (a pessoa é que toma a decisão)
  • Prescritivo (o sistema age como um motor de decisão)
  • Habilidade Aumentada (o sistema pode permitir à pessoa fazer algo que ela imagina ser mais complicado ou difícil fazer sozinha)
  • Proposta de valor cumulativa (time release, o valor percepcionados acontece ao longo do tempo e não na primeira utilização)

Transformação Digital

Jayme Levy7 fez subir a fasquia do workshop de 2017 e apresentou os argumentos necessários para se passar de uma estratégia de UX para uma verdadeira transformação digital das empresas.

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Essa transformação deve incluir toda a empresa e deve chegar a todos os tipos de tecnologia que são aplicados no trabalho. Isto é uma tarefa de longo prazo e, como a própria afirmou, deve começar na chefia. O CEO precisa de compreender a importância do tema para a competitividade, o CFO tem de conseguir ver o investimento além do custo e o CTO terá de ser um ponto importante na renovação ou adaptação do parque tecnológico.

Speaking CEO, de Jess McMullin8 trouxe-nos as ferramentas e argumentos para defender estas duas abordagens. Uma dessas ferramentas foi o “hypotheses funnel”, uma forma de estruturar as ideias e argumentos para apresentar à direcção de uma empresa. Outra, igualmente importante, foi a priority grid.

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Mas a transformação digital não precisa e não deve estar limitada às empresas.

A UX ao serviço do cidadão

As instituições públicas começam a perceber a importância destes temas e a relação direta entre os canais digitais e a sua performance. Prova disso foi a participação na conferência do laboratório de experimentação para o setor público, LabX.

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A Cyd Harrel6 trouxe para o palco a experiência que teve junto de várias instituições públicas onde a UX se tornou uma parte importante. Desde a criação a Guias de Estilo para criar websites mais eficazes até ao simples desenho de um boletim de voto, tudo acabava por ter impacto na participação dos cidadãos.

O ponto fulcral era que a disciplina tinha bastante para oferecer a várias áreas da tecnologia, não apenas no setor privado.

A Cyd só saiu do palco depois de deixar um apelo à participação de todos nos respectivos governos, com a pergunta: Como é que tu podes partilhar a prática da tua profissão com as instituições que são importantes para ti?

E se tudo isto nos poderia parecer utópico no momento, esse argumento caiu por terra na apresentação final. Scott Berkun9 fez-nos recordar a história da Torre Eiffel e de como foi alvo de criticas por todos, inclusive pelo próprio Gustave que inicialmente não acreditou na ideia. Hoje em dia, o que foi uma ideia estranha é o ícone de um país inteiro.

Tanto nas grandes ideias como nas mais pequenas é importante não desistir ao encontrar críticas, mas sim guardar as mesmas como sendo uma das peças de lego de uma ideia maior e mais criativa. Foi um argumento que teve eco na apresentação de Richard Banfield10 sobre como persistir quando os projectos não correm como nós queremos.

Se não formos nós, alguém o vai fazer

A UX Lx do ano passado deixou-nos um grito importante: The future is broken, and we can fix it!. Com a edição da 2018 definimos os valores que devem guiar o nosso trabalho de construção do futuro.

Esta mensagem de optimismo é essencial dado o contexto em que estamos hoje. A sociedade está a sofrer as dores de crescimento da Internet e de um mundo que parece privilegiar o que é efémero e fácil. Se algo está partido é substituído. A privacidade dos dados está a saque e os algoritmos são tão complexos que os próprios criadores não os conseguem explicar.

Contudo, os profissionais de UX estão na posição perfeita para servir de ponte entre os benefícios da tecnologia e a necessidade de os guiar para o que é melhor para a nossa vida como indivíduos e como parte de uma sociedade que tem cada vez menos fronteiras. O que acontece na Tunísia tem impacto em Portugal e o presidente eleito nos Estados Unidos influência o investimento em energias renováveis e afeta o aquecimento global.

Somos nós, como profissionais e seres humanos, que devemos defender e espalhar estes valores. O nosso objetivo pode estar focado na comunidade mais próxima. Com o acumular dos pequenos gestos dessa postura, poderemos começar a moldar a forma como todos nós tomamos decisões, focando um bocadinho mais os objetivos a longo prazo de ter uma sociedade mais justa e integradora; onde os Valores Humanos descritos pela Kim estão acima dos Valores de Rendimento das empresas.

A alternativa é manter o status quo onde estamos à mercê de interesses puramente económicos.


4 Autora do livro Designing for the Digital Age. É Vice Presidente de produto e User Experience na Patients Like Me.
5 “Os produtores e serviços disponíveis na Internet são a maior experiência científica em seres humanos que alguma vez foi feita”
7 Jaime Levy é a autora do livro “UX Strategy”, trabalha como consultora e é professora na University of Southern California. Ficou conhecida na década de 90 pelos projetos de New Media, nos quais se incluiu a primeira revista digital que na altura era distribuída em disquetes.
8 Trabalha para a Situ, human-centered management consultancy e apresenta-se como um embaixador de Experiência do Cidadão. Além de consultor, é também formador nas áreas de UX e Gestão.
9 É orador e autor de sete livros, entre os quais  The Myths of Innovation e  Confessions of a Public Speaker . A criatividade, filosofia, cultura e negócios são os temas principais do seu trabalho.
10 É o CEO da Fresh Tilled Soil, uma consultora dedicada à estratégia de produto e experiências de utilização e é o autor do livro Design Leadership
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